Saudações da terra do nada

14 de fevereiro de 2001
Prezada Solange.
Espero que em sua cidade o inverno esteja menos inversoso, o sol mais solarengo, a felicidade mais feliz e que os pássaros já estejam cantando nas árvores e dentro dos despertadores. Espero também que tenha recebido as duas cartas que viajaram, no mes passado, dentro de um único envelope.
Aqui, onde nenhuma rua tem sabor, o céu continua azul e a noite aposta, em vão, suas belíssimas estrelas com os tolos parceiros de cidade. Só à tarde, há um ligeiro alvoroço : academias, igrejas, assembléias e aparelhos sonoros saem à caça da população. É o extase caxambuense. Depois, a depressao: Trançador, Rua da Palha, cemitério, Bosque, Isolamento, Alguém come-couve, Tião Louco, a Linha do Bonde, a Favela, o crime de Suzana, o sorriso dos Gadbens, matadouro municipal, o córrego Bengo, o tremendal, o morro, o asilo Sto. Antônio, as freiras de chapéu-grande, a moça esfaqueada, Sílvio Canjica, o casarão abandonado dos Guedes, o lago assoreado, a Rua dos Porcos, Alto dos Cabritos, o supermercado (onde vagam os catecúmenos da cidade), o bairro do Sare e da Mombaça, o reformatório chamado Patronato, enfim, uma perfusão de lúgubres paragens e personagens condenados ao vazio.
(Da colecao cartas dos amigos
Eustáquio Gorgonne, www.tanto.com.br )
Foto: Caxambu, início do século XX
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