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Outro dia lendo uma entrevista de um conhecido meu, candidato, que dirigindo-se à juventude, colocava a seguinte questão: “A marginalidade, o sub emprego e a gratificante condição de serem assalariados de carteira assinada com “direitos trabalhistas garantidos”, raros são, portanto os que rompem essa barreira “naturalmente” impositiva de acesso à realização de seus desejos de ser um DOUTOR ou um sujeito importante.”
Interessante aquí é que todos desejam ser um “ Doutor ou um sujeito importente”, na perspectiva do entrevistado. Faço aquí um ponto e ouso tentar abrir os olhos para o sistema de profissionalização alemão. Aquí os assalariados, os de carteira assinada são orgulhosos de terem um emprego de carteira assinada, mesmo que não seje de DOUTOR ou SUJEITO IMPORTANTE. A velha e colonial filosofia, de que quem trabalha é escravo e quem não faz nada é o importante é algo impregnado na cultura brasileira. Na Alemanha, por ter tomado parte quase no final da era colonial não absorveu essa mentalidade. Aquí todos fazem tudo. Posso citar milhões de exemplos, gente com doutorado fazem os trabalhos domésticos, pequenos consertos, controem cercas de jardim, controem casas com suas próprias mãos, até porque a mão de obra por aquí é bem paga, digamos, para aqueles que fazem trabalhos braçais e a maioria da mão de obra é qualificada, isto é, pedreiros, lixeiros, carpiteiros. Aquí mesmo aqueles que fazem trabalhos braçais, têem o seu reconhecimento na sociedade e ninguém é discriminado por trabalhar de jardineiro, encanador, eletricista, lixeiro ou outra profissão, que no Brasil é considerada “trabalho de escravo”. Aquí temos outros problemas. Com a qualificação em todos os níveis fica difícil achar alguém com “primário malfeito”. Acho que no Brasil não deveríamos desqualificar o trabalho e sim qualifica-lo. Gente que faz trabalho simples não precisam chegarem a ser DOUTORES OU GENTE IMPORTANTE, para terem o seu valor.
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Pé-rapado: No Brasil colonial, pés-rapados eram trabalhadores que produziam riqueza na lavoura e nas minas. Com seu trabalho, o rei português Dom João V (1689-1750) enchia as burras monárquicas de ouro e diamantes vindos do Brasil. Gastou fortunas em doações a ordens religiosas e foi gigantesco o esbanjamento que garantiu a vida luxuosa da corte, a ponto de o seu reino tornar-se a maior nação importadora européia. Mas erigiu também museus, hospitais e a casa da moeda, além de providenciar a canalização do rio Tejo. Tudo pago pelos pés-rapados brasileiros.
Sem eira nem beira: refere-se a alguém, cuja situação de vida é das piores, está em estado de completa penúria. Eira no sentido de pedaço de terreno perto de casa, onde se pode trabalhar e beira é a aba do telhado que indica o estatus social do proprietário da casa.
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Foto: Solange Ayres
Beira de uma casa na Alsacia, Franca.